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Gosto de ti
O vento passou e disse:
Gosto de ti
E a flor abriu-se em pétalas de todas as cores.
A onda passou e disse:
Gosto de ti
E na praia a areia ficou mais lisa.
A noite passou e disse:
Gosto de ti
E as árvores cheias de orvalho
Ficaram mais verdes.
O Sol passou e disse:
Gosto de ti
E o trigo muito loiro acenou com as espigas maduras.
A neve passou e disse:
Gosto de ti
E a terra embrulhou-se num manto todo branco.
A chuva passou e disse:
Gosto de ti
E o rio cantou mais forte.
O amigo passou e disse:
Gosto de ti
E o coração ficou a dançar de alegria.


Leonor Santa-Rita - “Gosto de Ti”







O TEMPO E A MARÉ NÃO ESPERAM POR NINGUÉM.

"Eis um adágio sem idade.
Os marinheiros e os pescadores querem com isso dizer apenas que os horários de um barco são determinados pelo oceano, e não pelas conveniências humanas. Mas por vezes sento-me aqui, depois do chá me ter acalmado o pior da dor, e penso. As marés não esperam por ninguém, e isso eu sei bem que é verdade. Mas e o tempo? Não terá a época em que nasci aguardado o meu nascimento? Não se desenrolaram os acontecimentos numa determinada direcção como as grandes engrenagens de madeira de um relógio, entrelaçando-se com a minha concepção e empurrado consigo a minha vida? Não reclamo para mim grandeza. E, contudo, se não tivesse nascido, se os meus pais não tivessem sucumbido a um acesso de desejo, tantas coisas teriam sido diferentes. Tão diferentes. Melhores? Creio que não. E então pestanejo e tento focar os olhos, e ponho-me a pensar se estes pensamentos vêm de mim..."

in ASSASSIN'S APPRENTICE by Robin Hobb







"Terás muitas paixões, disse a minha carta astral. Um escudo de amores intensos e fugazes. Um rosário de nomes enlaçados por beijos. Alguns deles sóbrios, alguns deles ternos. Mais altos ou mais baixos, castanhos morenos, há-os de todos os tipos. E todos são definidos por uma causa comum: a virilidade que se lhes revolve entre as pernas.
 Algumas pisam forte, são altas, orgulhosas. São firmes e obstinadas, erectas como mastros. Poderosas e astutas, seguras de si mesmas, boas a raciocinar, maduras, decididas, vão invadir tudo. Entram, fazem-se donas e por fim, no seu gabinete, bem firmes e inseridas, sabem que esse é o seu lugar, conhecem o seu papel. Entram, saem, vão se emocionando, vão-se acelerando conscientes do seu império. Impérios de uma noite, monarquias de um beijo.
 Há outras pequeninas, inquietas e travessas. Revoltosas, curiosas, nunca lhes falta espaço para poderem jogar, indagar e perder-se. Doces exploradoras, por vezes fogem-te, cobras resvaladiças, do mesmo modo que tenta fazê-lo o sabão na banheira. Patinam surpreendidas pelas coxas molhadas e regressam escaldando, ansiosas e impacientes, saltando espirituosas, ao refúgio húmido e cálido que sabem que as espera. Peixinhos que saltam na tua corrente interna, felizes e empapados, não lhes importa muito como nem onde. São jovens de espírito. Nem a si próprias se tomam a sério.
 Poderás amá-las muito e nunca as possuir. Poderão amar-te ainda e não te terão nunca. Esquivas e risonhas, fugazes, detonantes, nem estelas nem pegadas deixaram para trás de si. Apenas a lembrança, incerta e saudosa, das horas felizes, as únicas que contam, as realmente vividas."

 in Amor, Curiosidades, Prozac e Dúvidas de Lucía Etxebarría




“ - O desejo e o receio são ilusões, não são realidades. Deves praticar o desprendimento.
- Devo desprender-me também do afecto?
- O afecto é como a luz do meio-dia e não precisa da presença do outro para se manifestar. A separação entre os seres também é ilusória, uma vez que, no universo, tudo está ligado. Os nossos espíritos estarão sempre juntos.”

 "- São palavras de Buda: A mudança deve ser voluntária, não imposta.
- O que significa?
- Todos podemos mudar, mas ninguém pode obrigar-nos a fazê-lo. A mudança costuma efectuar-se quando enfrentamos uma verdade inquestionável, alguma coisa que nos obriga a rever as nossas crenças."
 in O Reino do Dragão de Ouro, Isabel Allende











Limpo palavras.
Recolho-as à noite, por todo o lado:
a palavra bosque, a palavra casa, a palavra flor.
Trato delas durante o dia
enquanto sonho acordado.
A palavra solidão faz-me companhia.

Quase todas as palavras
precisam ser limpas e acariciadas:
a palavra céu, a palavra nuvem, a palavra mar.
Algumas têm mesmo de ser lavadas,
é preciso raspar-lhes a sujidade dos dias
e do mau uso.
Muitas chegam doentes,
outras simplesmente gastas, estafadas,
dobradas pelo peso das coisas
que trazem às costas.

A palavra pedra pesa como uma pedra.
A palavra rosa espalha o perfume no ar.
A palavra árvore tem folhas, ramos altos.
Podes descansar à sombra dela.
A palavra gato espeta as unhas no tapete.
A palavra pássaro abre as asas para voar.
A palavra coração não pára de bater.
Ouve-se a palavra canção.
A palavra vento levanta os papeis no ar
e é preciso fechá-la na arrecadação.

No fim de tudo voltam os olhos para a luz
e vão para longe,
leves palavras voadoras
sem nada que as prenda à terra,
outra vez nascidas pela minha mão:
a palavra estrela, a palavra ilha, a palavra pão.

A palavra obrigado agradece-me.
As outras não.
A palavra adeus despede-se.
As outra já lá vão, belas palavras lisas
e lavadas como seixos do rio:
a palavra ciúme, a palavra raiva a palavra frio.

Vão à procura de quem as queira dizer,
de mais palavras e de novos sentidos.
Basta estenderes a mão para apanhares
a palavra barco ou a palavra amor.

Limpo palavras.
A palavra búzio, a palavra lua, a palavra palavra.
Recolho-as à noite, trato delas durante o dia.
A palavra fogão cozinha o meu jantar.
A palavra brisa refresca-me.
A palavra solidão faz-me companhia.

O Limpa-Palavras, por Álvaro Magalhães, in Conto estrelas em ti







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