A Mudança #1
Recostada
para trás no assento, observava da janela do táxi a vida a fluir lá fora, imersa nos seus pensamentos não conseguia
disfarçar a ansiedade e a urgência de chegar à estação dos correios, a
única que estaria aberta àquela hora tardia.
Persistia no entanto a dúvida, até que horas... seria às nove? nove e meia? só podia nesse momento rezar para que fosse às nove e meia... as luzes e faróis sucediam-se pela janela. A cidade nunca dorme, há sempre alguém que amanhece ainda que tantos outros anoiteçam. Sim, com um toque de poesia e as considerações ficam mais saborosas. Considerações é isso mesmo, a cidade nunca dorme e de certa forma ficamos viciados nessa azáfama cansativa, o corrupio de casa para o trabalho e vice-versa, sim deve ser isso - uma buzinadela e uma travagem brusca despertam-na destas considerações - o semáforo está vermelho, o relógio indica 9 horas e 21 minutos, está quase a chegar, há sempre transito quando se está com pressa.
Respira fundo, já se consegue avistar a praça e a fachada em vidro do edifício dos correios, mais uns metros e chega ao destino.
Entrega uma nota de dez euros ao motorista e recebe quatro de troco. Atravessa o passeio, chega à porta e um letreiro indica que o horário de encerramento é às 22 horas. O alívio estampado no seu rosto é evidente. Atravessa o átrio retira uma senha e aguarda.
O requerimento está redigido, agora é só enviá-lo por carta registada.
Persistia no entanto a dúvida, até que horas... seria às nove? nove e meia? só podia nesse momento rezar para que fosse às nove e meia... as luzes e faróis sucediam-se pela janela. A cidade nunca dorme, há sempre alguém que amanhece ainda que tantos outros anoiteçam. Sim, com um toque de poesia e as considerações ficam mais saborosas. Considerações é isso mesmo, a cidade nunca dorme e de certa forma ficamos viciados nessa azáfama cansativa, o corrupio de casa para o trabalho e vice-versa, sim deve ser isso - uma buzinadela e uma travagem brusca despertam-na destas considerações - o semáforo está vermelho, o relógio indica 9 horas e 21 minutos, está quase a chegar, há sempre transito quando se está com pressa.
Respira fundo, já se consegue avistar a praça e a fachada em vidro do edifício dos correios, mais uns metros e chega ao destino.
Entrega uma nota de dez euros ao motorista e recebe quatro de troco. Atravessa o passeio, chega à porta e um letreiro indica que o horário de encerramento é às 22 horas. O alívio estampado no seu rosto é evidente. Atravessa o átrio retira uma senha e aguarda.
O requerimento está redigido, agora é só enviá-lo por carta registada.
Sai
da estação dos correios com uma sensação de estranha euforia,… os dados estão
lançados, agora é aguardar o resultado e fazer figas.
Está confiante de que a resposta será
positiva, ainda que tecnicamente fora de prazo as motivações estão bem
esplanadas e fundamentadas, tem de ser deferido o seu pedido... nem consegue
pensar em outro desfecho.
Ainda
assim, o receio da mudança que implica o deferimento do seu pedido deixa-a
apreensiva... é um tiro no escuro, um novo trabalho, noutro local com novos
colegas, enfim um novo começo. O positivo de tudo isso, é que a concretizar-se
essa mudança partiria de uma decisão pessoal, não uma decisão imposta por
directrizes do Ministério, como já acontecera no passado - os seus
pensamentos são subitamente interrompidos por uma voz masculina que lhe
pergunta as horas - perdão, senhora poderia me dizer as horas? Consulta o seu
relógio de pulso - 21 e 55 - informa ao estranho prostrado à sua frente, este
agradece e continua o seu caminho. Já é tarde, pensa e com isto tudo nem
jantei, a vontade de ir para casa e cozinhar é pouca, o melhor é optar por
comida pronta a levar.
Acende
um cigarro, após uma saborosa refeição de arroz de pato, comprada já feita pela
dona Alice da tasca do fundo da rua onde mora.
Pensa como o dia foi longo e cansativo, mas no fim compensador.
Pensa como o dia foi longo e cansativo, mas no fim compensador.
As
reformas implementadas, pelo Ministério sob a tutela do qual trabalha, estavam
a causar diversos transtornos no normal funcionamento dos serviços. Se viriam a
revelar-se benéficas só o tempo o saberia, entretanto os funcionários
apresentavam-se descontentes, como no seu caso. Suspira, amanhã será um novo
dia.
Reclina-se no sofá e deixa-se adormecer embalada pelo ruído suave de uma qualquer série que estava a passar na televisão.
Reclina-se no sofá e deixa-se adormecer embalada pelo ruído suave de uma qualquer série que estava a passar na televisão.
Os
primeiros raios de luz entram pelas frestas das persianas da sala. Ela desperta
num sobressalto, oito horas, já vai ser apertado conseguir chegar ao
trabalho a horas. Prepara um café, acende um cigarro e observa da janela
da cozinha o sol nascente, ainda tímido e algumas nuvens ameaçadoras a
norte, prenúncio de trovoada, talvez... mas a temperatura ainda se mantém
amena para época do ano, afinal é Outono.
Meia
hora passada, e já se encontra na rua. Transportes públicos, - práticos mas um
aborrecimento. Caras taciturnas a caminho dos seus locais de trabalho; conversas peculiares - desprovidas de sentido para quem as ouve; guarda-chuvas,
lancheiras com o almoço; alguém encalorado abre a uma janela, outro alguém com
frio reclama - mais uma paragem e logo se verá livre de tais interacções
matinais.
Nove
e um quarto chega ao seu escritório, podia ser pior o atraso, afunda-se na
cadeira à secretária, prime o botão on/off do seu PC e inicia mais uma
jornada de trabalho, que - daquela forma positiva e descontraída com que gosta de
observar a vida - é útil para a sociedade e isso confere-lhe uma determinada
resiliência contra a adversidade e prazer na sua execução.
Onze
horas, pausa para um café e um cigarro. Da varanda da escada de incêndio no
nono piso do edifício onde trabalha, consegue vislumbrar a cidade do outro lado
do rio.
A cidade que nunca dorme fervilha da vida -
olha pensativa... - um clique de um isqueiro a acender e a sua atenção é
desviada para o seu colega que acabara de se aproximar de café na
mão.
-
Bom dia! Quase fim-de-semana, isso deve-te deixar de bom humor! -
pisca o olho.
-
Ora, estás a insinuar que eu ando de mau humor?
- Não! Apenas, quis enfatizar um facto que é denominador comum a todos os
trabalhadores por conta de outrem - com a aproximação do fim-de-semana
todos ficam bem-humorados. Tu não serás excepção!
-
Hum, estamos muito espirituosos logo pela manhã... - bebe mais um golo de café.
-
Começo a achar que o humor por aqui ainda está enevoado... anima-te, pá!
-
Não é isso. Sinto-me apreensiva... Não sei o que me espera, se a mudança se
concretizar... - hesita.
-
Sempre conseguiste enviar o requerimento?
-
Sim, agora as cartas estão na mesa... - morde o canto do lábio.
-
Então porquê esse receio? Não era o que querias?
-
Sim, sem dúvida, mas todos os que me aconselharam me desencorajaram de o fazer!
Dizem que vou ficar pior, vou de cavalo para burro... percebes?
-
Hum, estou a ver... - poisa a chávena - Escuta, tu já demonstraste uma
capacidade incrível de te adaptares à mudança. Seja lá o que for que
te surja pela frente não receies, agarra o touro pelos cornos! Tu és capaz, e
sabes disso!
-
Obrigada - sorri - é bom poder desabafar, és um bom amigo!
-
Ah, finalmente um sorriso! - ri-se - E então, que se faz este fim
de semana?
-
Bom, não estou a planear rigorosamente nada, apenas ficar de papo pró ar.
-
Ora, tens muito tempo para descansar, Sábado bebemos um copo!
Combinado?
-
Porque não? Mal não fará, libertar os fantasmas na pista de dança! - apaga
o cigarro - Bem, vou regressar à labuta. Até logo.
-
Não te esqueças de almoçar, estás muito magra! - acena da porta de
acesso à escada de incêndio.
-
Ok! - grita e desaparece ao virar a esquina do corredor que dá acesso aos
gabinetes.
Estás
muito magra! - A afirmação reverberou no seu cérebro, sim isso era
evidente. Tinha de facto emagrecido três quilos nos últimos meses e isso
preocupava-a porque realmente não tinha apetite. Devia ser do stress acumulado, já
tinha inclusive começado a tomar suplementos alimentares e
vitaminas, para minimizar os efeitos de uma débil alimentação.
Afastou essa preocupação do seu pensamento ao regressar para a sua secretária, tinha de se concentrar na tarefa que tinha em mãos, o seu prazo terminava no dia seguinte.
Afastou essa preocupação do seu pensamento ao regressar para a sua secretária, tinha de se concentrar na tarefa que tinha em mãos, o seu prazo terminava no dia seguinte.
Quando
estava quase a terminar o relatório que tinha em mãos toca o telefone, era o
seu superior hierárquico. Levanta o auscultador, um clique do outro lado
e a voz do seu chefe surge imperativa.
- O teu prazo termina amanhã! Como é que estamos? - inquire.
- O teu prazo termina amanhã! Como é que estamos? - inquire.
-
Está concluído. Antes de sair deixo o relatório na sua secretária. -
informa.
-
Muito bem! - faz uma pausa - Recebi um e-mail
da direcção de gestão, o teu requerimento está a ser apreciado, mas enferma da
aprovação do Juiz Presidente, ou seja está condicionado à aprovação do mesmo.
Deverás submetê-lo à sua consideração, só após isso a direcção
poderá deferi-lo, ou não.
-
Sendo assim, não me resta alternativa... quando poderei falar com o Dr.? -
indaga.
-
Penso que já saiu. Mas amanhã cedo terás oportunidade. Bem, deixa-me o
relatório antes de saíres! Até amanhã!
-
Até amanhã chefe, obrigada! - poisa o auscultador. O visor do telefone indica
16h45m.
Com a satisfação natural do dever cumprido prepara-se para ir fumar um último cigarro antes de concluir aquele dia de trabalho, contempla a janela e queda-se pensativa... por um lado vou sentir saudades... por outro a mudança é bem vinda, pensa, mas ainda falta uma etapa.
Com a satisfação natural do dever cumprido prepara-se para ir fumar um último cigarro antes de concluir aquele dia de trabalho, contempla a janela e queda-se pensativa... por um lado vou sentir saudades... por outro a mudança é bem vinda, pensa, mas ainda falta uma etapa.
(Continua...)
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