A Mudança #2




Sete da manhã, toca o despertador.
Hum, mais dez minutos só mais dez minutos - pensa, estica o braço para premir o botão do snooze e lembra-se, não, o snooze é a morte do artista toca a levantar.
Arrasta-se até à cozinha e prepara um café, acende um cigarro ainda a despertar, dá um gole e saboreia o calor da bebida quente a despertar-lhe os sentidos. 
As manhãs definitivamente não são para mim, tornaram-se tão difíceis, parece que as passo atordoada... finalmente hoje já é sexta, está quase o descanso da guerreira - sorri.

    Duas horas e uns quilómetros depois já se encontrava no escritório.
O departamento para o qual trabalhava estava direccionado para a resolução dos conflitos relativos a dívidas e nove anos volvidos já sentia ser altura de refrescar as ideias com outras matérias. 
Sim, a crise económica que o país atravessava nos últimos anos tinha provocado, por diversos aspectos, um agravamento dos problemas de endividamento e o consequente aumento da cobrança coerciva de dívidas o que provocava mais endividamento e era uma bola de neve. Estava farta, esta mudança era necessária, sentia-o.
No entanto ainda era cedo para falar com o Juiz Presidente. O melhor seria indagar o chefe acerca disso. Atravessa o seu gabinete e dirige-se para o do chefe, os bons dias habituais aos colegas com os quais se cruza nos corredores, chega, a porta está entreaberta, bate levemente - Sim? - responde a voz de seu chefe.
- Bom dia, chefe. Dá licença?
- Bom dia. Entra. - observa as horas - Chegaste cedo! 
- Sim, quero deixar tudo em ordem... - interrompe-se.
- Partes do princípio que a tua transferência se vai concretizar... não me opus, apesar de estar relutante em perder uma boa funcionária. Presumo que me queiras perguntar se o Juiz Presidente já chegou? - indaga.
- Sim, é esse o assunto que me trás cá. - confirma.
- Não te preocupes, assim que o Dr. estiver disponível, ligo-te e vamos lá falar com ele. - sorri - Afinal, se eu já concordei, ele não fará o contrário. É um mero formalismo. Vá, agora vai trabalhar, que como bem referiste, nada pode ficar pendurado com a tua saída. 
- Obrigado chefe, até já. - vira-se para se encaminhar para a porta, é interrompida pela voz do seu chefe.
- Então, nem perguntas pelo relatório?
- Já teve tempo de o analisar? - questiona ao voltar-se.
- Sim, conciso e bem estruturado. Bom trabalho, parabéns! Aliás não esperava outra coisa. - elogia.
- Obrigado, apenas cumpro o meu dever.
- Bem sei, e é por isso que não percebo que te queiras ir embora... - interrompe-se - Esta também é de certo modo a tua família e para onde vais não te conhecem, não sabem o teu valor, não vão tolerar os teus atrasos, como eu, garanto-te! - avisa.
- Não nego que me sinta parte desta família e estou grata pela sua tolerância, isso permitiu-me crescer como pessoa... - hesita - mas por vezes sentimo-nos estagnados no mesmo lugar e aí a mudança pode trazer algo de bom, novas perspectivas, novos caminhos... 
- Se é o que queres, força! Qualquer coisa que venhas a precisar já sabes que podes contar comigo! - assegura-lhe.
- Agradeço a compreensão, é um bom chefe! Agora vou para a labuta que hoje já é sexta! 
- Finalmente! Vai lá! Já te chamo!
- Até já. - Afasta-se e encaminha-se de volta ao seu gabinete.

    Aproveita e de caminho vai à máquina tirar o cappuccino habitual das manhãs e como era costume havia uma pequena fila.
- Bons dias! - sorri para os colegas e posiciona-se à espera da sua vez.
- Então, parece que te vais embora? - indaga, um dos seus colegas.
- Sim, isto é, meti o requerimento para a transferência... se for deferido, sim irei. - responde, enquanto espera.
- Bem, então boa sorte! - acena e afasta-se de café na mão.
- Obrigada! - avança para a máquina do café introduz a quantia  necessária e observa distraída o cair progressivo do líquido no copo.
- Ah finalmente és a primeira a chegar! - irrompe a voz do seu colega, num sorriso evidente.
- É, agora que estou na eminência de me ir embora, até chego antes de ti! - afirma, divertida. 
- Ah e toda contente por se ver livre de nós, aliás de mim! - faz uma careta.
- Nada disso, apenas porque é sexta e quanto a ti, se realmente me mudar, é de ti que vou sentir mais falta! - assegura-lhe.
- Ah bom, algum reconhecimento, ao fim de tantos anos a aturar-te! - pisca o olho.
- Ah ah ah, quem te ouvir o que pensará, eu sou um doce de pessoa. - afirma com uma ponta de ironia na voz.
- És sim senhora, se descontarmos o mau feitio, claro! 
- Ok! Já chega de conversa sobre o meu mau feitio, um cigarro e de volta prós processos e procedimentos. 
Agarram nos cafés e atravessam o corredor até à porta corta-fogo que dá acesso à escada de incêndio exterior, onde os fumadores iam habitualmente.





(Continua...)

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